27.2.07

Apresentação de livro : "Quarto Escuro" de Inês Leitão

O lançamento do livro "Quarto Escuro" será dia 3 de Março pelas 17h na livraria Almedina (Atrium Saldanha, lisboa) .

23.2.07

prontuário da língua portuguesa

ainda bem que é verdade ainda bem que é mentira
ainda bem
e enfim feita foi a nossa vontade as águas turvas o destino
porque depois
a nossa tristeza e o teu vestido novo
um copo de cerveja sobre a mesa a própria mesa
porque depois
dançar uma rumba comprar um caderno
olhar as pernas dela sorrir-lhe dizer-lhe adeus
e enfim
ainda bem que é verdade ainda bem que é mentira
ainda bem

13.2.07

Amar Amarelinho

Dália, sua bera

Quase toda a gente associa o Domingo a uma gaiola com um canário. Há até uma cantiga do Paco Bandeira, há crónicas de bons escritores sobre casais de marido e mulher e suas chilreadas manhãs de domingo. Não é o meu caso, não faço essas associações. No meu caso havia uma piriquita, mas gaiola nunca, apesar de a princípio me esboroares o tino com uma zarzuela maldosa cujo refrão me comandava a enclausurar a Pilorinha.
Também não havia domingos. Aliás domingos havia, mas a minha relação com a piriquita era diária, horária. “Minutária, secundária!”, grasnavas. Secundária é que ela não era: vivíamos um para o outro.
Lembro-me de uma vez essa voz ríspida, nunca amaciada pelo calor líquido de Moçambique: Que não sonhasse em cair acamado! Que me calçavas imediatamente os rolamentos, directo a um daqueles alguidares bafientos onde nos põem de molho até ao consumo final. Percebi nesse pré-aviso de despejo que o meu lugar era o mundo dos outros e quis chorar. Mas depressa caí em mim e sem adiamentos fingi cair à cama. Sala de espera por sala de espera, livrava-me já do veneno feminino que saturava as nossas duas assoalhadas.
Ao segundo dia no Cantinho dos Avós, a piriquita esvoaçou-me para a mão. Era uma inesperada nuvem amarela, de uma bondade vaporosa. Fiquei maravilhado. Ela deve ter-me sentido a alma silvestre de África, entranhada desde o primeiro dia em que lá poisei, pois nunca mais rondou outra pessoa. No lar deixaram. As assistentes de bata azul deslizavam mecanicamente, atravessando sem pressa e sem tempo o dia, os corredores e as salas, e a maioria dos velhotes ignorava os voos rasantes ao nariz que a Pilorinha fazia divertida, preferindo focar o passado no empedrado da lareira ou nos amplos espaços interiores cavados pelos tranquilizantes.
Retomei o hábito austral de divagar sobre o espírito dos insectos. Expunha-lhe a felicidade laboriosa de formigas e escaravelhos enquanto ela me picava sobrancelhas e pestanas. Falei-lhe daquele amigo escultor no Canadá: descobriu três borrachitos no atelier; teve medo de ferir a ninhada seguinte; esculpiu três ovos em gesso no canto preferido dos pombos; desencorajou-os, assim, de voltarem; viveu em paz com a consciência o resto do ano. A bicha compreendeu e piou.

Meses antes tentara contar-te a história. Paraste, um pé dentro, o outro fora e a expressão azeda pendurada a meio do tapete da entrada: “Quê? Esse não é o que desandou e deixou cá quatro filhos?... Eu vou à porteira!”. Estive para te esganar o gato, infeliz em quem eu me vingava em pensamento quando me arrependia da escolha que fiz para casar. Vê bem o desamor que me dedicavas, capaz de suplantar o meu amor à bicharada. Como o gato não tinha culpa, optei por sacar os papéis e os plásticos do nosso ecoponto doméstico e encafuar tudo no lixo orgânico. Atentado caseiro ao ambiente. Bem feito para o mundo onde me cruzei contigo e onde nunca achei coragem para te calçar uns patins todo-o-terreno e mandar-te também às urtigas.
Uma vez estava a urinar e nem preciso de dizer onde o meu amor amarelinho se empoleirou. Uma sacudidela distraída atirou-a de mergulho. Tive de lhe dar banho, secá-la com o secador de cabelo e justificar-me pelo atraso ao jantar, que no lar era às seis e tornava as noites tão folgadas como dias de Verão.
Ela vivia mais em liberdade que eu. Debicava alpista, miolo de pão e a própria imagem num comedourozinho com espelho que coloquei no aparador da sala de convívio. À hora da visita brincava entre mesas e cadeiras, aproximava-se pela carpete (Tu: “Tu és surdo! Como é que lhe ouves o tic-tic das patas?!), saltava para o chinelo e escalava-me até se empoleirar nas hastes dos óculos. Metia-se por dentro, espreitava através das lentes. Grande luzinha companheira!
Acabámos ambos por morrer: primeiro ela, eu logo depois. A tempo de escaparmos à humanidade afogada na poluição dos derivados do petróleo, creio.
Hoje somos mais felizes que nunca. Agora o piriquito sou eu. Adaptei-me bem à função. Sou eu quem esvoaça e olha através das lentes dela. É ela quem me conta histórias que reconheço dos ecos das savanas e matos, de quando os atravessava semanas a fio à cata de insectos raros para pintar a guache e tinta-da-China.
Não imaginas o gozo que me dá saber-te cheia de artroses, saber que ontem saudaste o porteiro, “Bênção, senhor cardeal”, e que nem perceberás como esta carta é apenas o subconsciente às cotoveladas à consciência. Um sonho. Um sonho e não a expressão de alguém que do Além se lembrou de ti.

6.2.07

O samurai (epílogo)

(Numa leitaria portuguesa entra um velhinho japonês, que grita "I'm samurai". O narrador começa a inventar-lhe um passado).
Aquela minha explicação interessou a toda a gente. Trocava umas palavras com o samurai e ia construindo a história dele, feita de pagodes imaginários, jardins suspensos no tempo, levitação zen. Excitara a imaginação e fui por ali fora: falei de mundos inventados, um pouco em busca daquilo que autenticamente me interessa nas pessoas, ou seja, a sua vida interior fantasiada. E o velho turista transformara-se numa espécie de instrumento da minha divagação, mistura de territórios e paisagens utópicas, idealismo impreciso.
Sentara-me na mesa do velho e Alice sentara-se ao nosso lado. Os outros (o brasileiro, Carriço, os empregados, a clientela habitual) rodeavam-nos, de pé, boquiabertos perante o mundo que eu lhes abria através daquela personagem, que todos já viam de quimono florido e espada trespassante.
Ia por ali fora, quando Alice fez um gesto imperial, cortando-me a palavra:
“Desde quando é que falas japonês?”, perguntou-me ela.
Fizera aquele seu movimento de torcer o nariz, que eu tão bem conhecia. Era quase mesmo o nariz a torcer-se, embora não fosse assim exactamente. Os olhos verdes cintilavam de cepticismo, desconfiados. Era o mesmo exacto olhar que me deitara naquela tarde de Verão em que finalmente percebera as minhas manobras defensivas, que as palavras de amor não passavam de pequenas armadilhas, tão imaginárias como os pagodes e os jardins e o samurai, ainda jovem, em busca da sua massacrada família, a passear pela cidade incinerada que uma bomba atómica devastara tão completamente.
“Pois, efectivamente, não falo japonês”, confessei.
Na sensual boca de Alice tremia um sorriso. Ela olhou-me, a lamentar a minha loucura, mas com sinais de brando carinho e suave amizade, apesar da censura na expressão.
“Então, é apenas um velho perdido da sua excursão”, sentenciou.
O samurai envelhecera subitamente aos nossos olhos. As rugas de pergaminho eram mais fundas, como mapas de meandros labirínticos. E os olhos baços pulsavam de espanto, surpresa, solidão.
Então, Alice tirou o telemóvel de um bolso no avental. Depois, removeu o avental, colocando-se em roupa civil. E surgiu a nossos olhos em blusa com decote e uma minúscula corrente de ouro ao pescoço, a santinha de alguns centímetros dançando entre as clavículas salientes. E o busto dela, que respirava, e onde fixámos os olhos, eu e também Carriço, e o velho samurai e igualmente um afortunado de um cliente, que estava de pé atrás dela e espreitava ainda mais um pouco do que nós. Alice chamou a esquadra, atenderam, ela explicou tudo, desligou o aparelho e ordenou rapidamente que preparassem um prato para o japonês. “Coitadinho”, disse, “deve estar cheio de fome”. Finalmente, sorrindo, segurou a mão do velho, segurou-a entre as suas próprias mãos e como que o embalou assim, num maternal veludo. “O pobre do samurai, perdido dos seus”!
A polícia chegou pouco depois, dois agentes, um deles uma rapariga nova (também nova no bairro, devo acrescentar, eu que adoro mulheres de farda estava a vê-la pela primeira vez); e era bonita, com o cabelo enrolado debaixo do boné de pala, o uniforme que lhe disfarçava as curvas desgraçantes.
Depressa as duas mulheres combinaram uma acção, tiniam pequenos telemóveis, interrogavam-se hotéis e grupos excursionistas, enquanto nós, os homens, entretínhamos o felizardo polícia, pois devia ser duro andar na ronda com aquela magnífica colega, arranjar temas de conversação que não parecessem forçados, manter sempre a postura de herói sem parecer demasiado protector, porque as mulheres tendem a rebelar-se quando somos demasiado protectores, embora gostem disso, o que parece paradoxal, como quase tudo nas mulheres. O agente compreendeu a nossa solidariedade e emborcou uma pinga que o Carriço desencantou de propósito. Demos também um copo ao velho samurai, que tinha já comido parte da comida no prato e, ao beber a pinga, se mostrou contente, dizendo algo num japonês que nos pareceu adequado elogio.
Vieram buscá-lo daí a meia hora, outro japonês que partilhou connosco os motivos de tanta aventura: o velho perdera-se da sua excursão, tal como adivinhara Alice. Era idoso e ficara confuso, não falando a língua local. E ficámos a matutar como deve ser difícil viajar assim. E, ao sair do estabelecimento, o velho olhou para toda a gente, com um largo sorriso, os olhos embaciados. Fez uma vénia e disse, num agradecimento:
“I’m samurai”.
E também inclinámos a cabeça, por respeito à única frase que ele sabia dizer fora da sua língua.

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3.2.07

O Samurai (segunda parte)

No texto anterior, conhecemos algumas das personagens. Entretanto, surgiu este turista japonês, um velhinho com ar inofensivo
...Dizia eu, estava sentado no meu cantinho, quando apareceu aquele homem minúsculo. Era velho. Um turista japonês, via-se. Olhou para o interior da leitaria e entrou. Só reparei porque o meu próprio olhar passeava por coisa nenhuma, à bolina.
O japonês era antigo, mas contraditoriamente moderno, observei. Como se ele não conseguisse determinar em que época estava. Pele encarquilhada, ténis Nike e máquina fotográfica minúscula. Sem falar no boné de basebol. De resto, de banalidade arrasadora, semelhante a qualquer turista japonês. Era também polido, ou seja, fazia gestos poupados, como se pedisse licença à mão direita para mexer a esquerda. Sentou-se na mesa bem no meio do estabelecimento, talvez fascinado com a iluminação e a limpeza. Ainda não o referi, mas o pronto-a-comer da Alice é de uma limpeza exemplar e atrai clientela de funcionários do comércio das redondezas, sobretudo às horas de refeição; a partir do meio-dia, começa o corrupio; é a essa hora que me vou embora, pois raramente tenho fome e vou comendo ao longo do dia, a fintar a hora das refeições.
O velho sentou-se e cumprimentou os presentes com uma curta vénia, como se estivesse em casa. Mas, vendo melhor, parecia confuso.
Aproximou-se o brasileiro, que é o empregado do estabelecimento, muito útil quando se organiza o bufete. Digressão desnecessária: o bufete é o grande truque da Alice, o cerne do negócio. Teoricamente, as pessoas podem tirar a quantidade de comida que desejam, mas na realidade é muito menos em conta comer assim, já que os humanos têm mais olhos que barriga. Julgam estar a pagar pelas enormes quantidades que pretendem devorar, mas acabam por pagar um valor que à partida cobre mais do que aquilo efectivamente devorado.
E foi num certo momento, num ponto do universo em que não acontecia nada, que se deu o extraordinário caso. O japonês ergueu-se, com dignidade, num gesto solene. E, transformando o braço direito numa espada imaginária, rompeu a atmosfera com a lâmina do pensamento, gritando: “I’m Samurai”. Não o fez com irritação, ou algo assim, era antes uma afirmação feliz. Um anúncio, como se tivesse gritado, “vou casar”. A palavra samurai foi dita num tom de chicote, mas igualmente com volúpia, pois prolongava-se o “a” e também o “i”. E todos ficaram a olhar para aquela espantosa figura que irrompera assim, sem aviso, pelas nossas vidas banais.
O brasileiro encolheu-se. Apesar de não haver senão uma espada imaginária e um velho digno, embora pequeno; apesar de tudo, inofensivo, de pé ao lado da mesa vazia. No resto da sala pairava o espanto, como se fosse perfume de comida. Com a excepção de Carriço, que tratava do fumegante bufete, ao fundo, e nem se apercebera da comoção.
Alice foi a primeira a reagir:
“Está a sentir-se mal?”, perguntou ela ao japonês, de trás do balcão, na esperança vaga do velho compreender a pergunta.
O turista olhou para Alice e, de súbito, fez uma vénia, acrescentando algo incompreensível, dito na própria língua, mas que podia muito bem ser “Oh! Encantadora musa que encontro aqui neste antro de ciclopes!”.
Senti-me na obrigação de fazer algo. O brasileiro afastara-se, com medo, e eu aproximei-me. Dirigi-me em inglês ao idoso:
“Good Morning, sir”, disse, de modo algo incoerente, pois já passava do meio-dia.
O japonês ficou impressionado com a minha intervenção. Observou-me. Percebi, por um instante que se prolongava, que ele perdera a confiança. Claudicava.
“I’m samurai”, balbuciou, desta vez num tom de voz que se sumia.
Apagava-se, rendia-se.
E, depois, num lamento:
“I’m samurai”.
Só então se sentou, mas com elegância, num gesto comovente.
Iniciei conversação, fiz perguntas, sempre num inglês que tentava pronunciar com cuidado, para que ele percebesse. Perguntei-lhe se queria comer, se precisava de ajuda, se estava doente. Ele respondia em japonês, baixava a cabeça no final de cada frase. Sorria imenso. Era evidente que não falava inglês.
Fui traduzindo, embora não percebesse nada do que ele dizia.
“É um nobre japonês, íntimo do próprio imperador”, expliquei...
Esta história terá um epílogo

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2.2.07

O samurai (primeira parte)

Ainda hoje, no meu bairro, é lembrada a progenitora da Alice, a Dona Felismina, que deu em herança à filha o pequeno estabelecimento, uma leitaria entretanto modernizada em pronto-a-comer. A mãe da Alice era uma mulher daquelas chamadas de armas, ou seja, mais dominadora do que mandaria o seu corpo franzino. Parecia a Edith Piaf e sei que, em jovem, incendiou numerosos corações galantes; mas, enfim, só a conheci já gasta. Parte da história também será bordada a lenda, pois sabemos como tudo nesta cidade acaba sendo um pouco romanceado.
Quem verdadeiramente interessa é Alice, que terá essas origens curiosas, embora pertençam a um passado que já nem imaginamos. E quem sabe o que se esconde em gerações ainda mais remotas? O facto é que ela tem lábios grossos, nariz achatado, o traseiro algo proeminente, caracóis enrolados no cabelo cor de azeitona escura...
Na aparência, é uma mulher não muito diferente das outras: talvez um pouco mais redonda de carnes, o que faz sonhar alguns homens, entre eles Carriço, discreto apaixonado e lugar-tenente do estabelecimento; o seu homem, digamos assim, macambúzio e soturno, mas também ciumento, sobretudo quando vê possíveis rivais a cobiçarem Alice com olhares famintos, nem que seja macho de passagem, um zé-ninguém que jamais voltará.
Alice não é alta nem baixa, não é velha nem nova. Anda sempre desmazelada, sem pinturas ou jóias; veste avental com nódoas. Mas não precisa de ornamentos, tendo aqueles olhos verdes, esmeraldas reais, embora a cor já esteja esbatida, enfim, porque o tempo passa. Será ela bonita, verdadeiramente bonita? Penso que não, pelo menos do ponto de vista do gosto dominante nestas matérias, a preferência que podemos ver em qualquer revista de moda, corpos a tira-linhas, sem a redondez que pessoas como eu acham mais sensual. Alice não serviria para modelo de pele retocada a photoshop e cabelo ao vento. Ela tem cintura gorda, pregas de carne em torno do umbigo, o que pessoalmente acho muito de cobiçar; e, no seu peito subido e largo apetece encostar a cara, para se ouvir aquele coraçãozinho palpitante, a respiração acelerada; sim, confesso, sei bem como podem aqueles seios enlouquecer um homem. Conheço Alice há dez anos, por dentro e por fora, andámos enrolados por alguns frenéticos meses, embora ela não tivesse qualquer ilusão sobre as minhas intenções, que eram inteiramente desonestas. Talvez por isso tenha sido possível mantermos esta relação amigável. Ela sabe que me faltam alguns parafusos, talvez suspire por mim, num ou noutro pensamento, mas nunca o mostra. É apenas afável comigo. E não tenho dúvidas de que Carriço, que apareceu muito depois, saiba do nosso passado comum, embora nada possa conhecer sobre os segredos murmurados, as frases de amantes que trocámos, ela e eu. E não pode imaginar as lágrimas que ela gastou comigo.
Podia evitar a leitaria, pois quase não suporto a desconfiança e a inveja de Carriço e talvez seja cruel alimentar dessa forma as lembranças de Alice. Mas acabo por me sentar todas as manhãs no estabelecimento, a olhar o pequeno mundo que por ali passa, a rabiscar pobres poemas; bebo um ou dois cafés, leio o Diário de Notícias, como uns salgadinhos, vou bebericando imperiais ou, ocasionalmente, uma aguardente. Enfim, medito.
Naquele dia, também não tinha nada para fazer e transformara, como de costume, a mesa do cantinho no meu escritório. Já agora, para que percebam a razão de tanto tempo perdido, informo que sou uma espécie de inútil: queria ser poeta, mas falhei na vocação; o meu pai era industrial; deixou fortuna assinalável, investida em bolsa. O meu trabalho, digamos assim, é estar atento ao sobe e desce das cotações, vender em alta e comprar em baixa, o trivial, que dá para viver modestamente. Não faço descontos nem loucuras, sou solteirão. Vivo no limbo feliz da decadência burguesa, numa casa antiga, com vista para o passado e também para o rio e o seu estuário.
Os meus investimentos são de pouca ambição, e falo metaforicamente. Pode parecer estranha, esta ideia de alguém querer apenas viver o dia-a-dia, ao ritmo de um mercado sem lógica, despreocupado em relação a quase tudo e numa perspectiva constante de não possuir futuro. Aliás, essa é a minha única perspectiva constante. Antes assim, viver sem amar nada em particular, olhando melancolicamente o que podia ter acontecido, se por hipótese improvável tivesse acontecido.
Dizia eu, estava sentado no meu cantinho, quando apareceu aquele homem minúsculo. Era velho. Um turista japonês, via-se. Olhou para o interior da leitaria e entrou. Só reparei porque o meu próprio olhar passeava por coisa nenhuma, à bolina.
Este conto tem continuação, a publicar em breve

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1.2.07

só te quero dizer que me vou embora (bad cover version)

só te quero dizer que me vou embora
e nenhuma lágrima tua me fará parar
como disse o poeta "soprando vai"
só te quero dizer que não vou voltar

lembras-te do passado e choras
sufocas e sabes que chegou a hora
do adeus para nunca mais
acredita não me é fácil
dizer que me vou embora

sim, eu amava-te, mas agora vou embora
e nenhuma lágrima tua vai mudar isso
como disse o poeta "soprando vai"
só te quero dizer que não vou voltar

lembras-te dos dias felizes e choras
suplicas e sabes que chegou a hora
do adeus para nunca mais
acredita não me é fácil
dizer que me vou embora

a partir de Je suis venu te dire que je m'en vais de Serge Gainsbourg

pessoas como tu

a minha charlotte gainsbourg e eu
escrevemos músicas até tarde
e escondemos as nossas olheiras escuras
debaixo de óculos escuros e cafés duplos.
saímos da cama de mansinho depois
do despertador tocar três vezes
e entramos na banheira
só para tomar um duche rápido.

a minha charlotte gainsbourg e eu
a brincar com lápis de cor nas mãos
e a sorrir como crianças em frente
aos cadernos de colorir
comprados nos saldos do continente
onde fomos comprar bolos e chá
porque já era tarde e para jantar
não havia nada lá em casa.

a minha charlotte gainsbourg e eu
a correr pelo corredor
a fugir do frio
a cantar baixinho debaixo do lençóis.
a deixar recados românticos
em pequenos papéis na mesa da cozinha
a viver dos sonhos e dos sonos
como toda a gente que conhecemos.