4.6.07

Sofia de Mello Breyner Andresen com óculos de sol e fato de banho a dizer adeus para a máquina que a filma

I

Reconheci-te logo destruída
Sem te poder olhar porque tu eras
O próprio coração da minha vida
E eu esperei-te em todas as esperas



II

Conheci-te e vivi-te em cada deus
E do teu peso em mim é que eu fui triste
Sempre. Tu depois só me destruíste
Com os teus passos mais reais que os meus.



S.M.B.A.








O tempo chegava-nos aos joelhos como água da praia e eu era aquilo que tu eras há 40 anos: há 40 anos quando não existiam fotografias nossas na sala e tu eras apenas uma jovem mulher de unhas pintadas, a apanhar sol, numa reputada praia da Figueira da Foz
- temos os mesmos ombros, os mesmos cotovelos, o mesmo contorno de ancas




os homens sempre te desejaram muito
- eu sempre me pensei em ti





Tu sentada na minha cama a dizeres-me que cortar as unhas dos pés é um acto de amor com o nosso corpo
- hoje o mesmo corpo e os mesmos olhos tristes: o mesmo bico do seio cor-de-rosa reflectido no espelho do quarto, o mesmo desenho de carne branca macia na zona da barriga; as mesmas coxas vistas de lado



Porque nós sempre tomámos banho juntas, como se ver o teu corpo e o teu sexo fosse conhecer-me a mim na cabeça sem precisar de espelho
- nós e os mesmos refegos nas costas, nós e a mesma cor de cabelo




Ver-te com tempo na cara é ver-me velha.






Porque foram quebrados os teus gestos?
Quem te cercou de muros e abismos?
Quem desviou na noite os teus caminhos?
Quem derramou no chão os teus segredos?

S.M.B.A.






De verdade, apenas nos sentamos juntas no sofá. Quando demos por nós era Sofia de Mello Breyner quem nos fazia adeus na praia, dentro da capa do seu livro.